O "Craft Beer Renaissance", movimento americano cujo marco inicial data de 1969, com Fritz Maytag e a compra da Microcervejaria Anchor Brewing, tomou real força nos anos 80. Surgiu, em parte, da filosofia americana do "do it yourself" (faça você mesmo), com o simples, mas ousado, propósito de trazer a fabricação das boas cervejas de países como Alemanha, Inglaterra e Bélgica para o público americano, que a muito tempo vinha encarando só a chamada Pilsen light fabricada por grandes cervejarias, tais como a Anheuser-Busch (Budweiser). New Albion, Sierra Nevada, Samuel Adams, Heart of the Dog, entre outros nomes, mal surgiram e já sentiram na pele o significado do famoso ditado norte-americano: "You can always tell the pioneers by the arrows in their backs" (você sempre pode dizer quem são os pioneiros pelas flechas nas suas costas). Era o início da década de 80, e existiam 82 cervejarias em atividade em todo o território americano.Grande parte das microcervejarias que abriram neste período fecharam as portas meses depois de se iniciarem como empresas, devido, entre outras coisas, às barreiras da legislação americana, que impunha restrições severas às microcervejarias (similares aos problemas que enfrentamos aqui no Brasil, descritos mais adiante). Talvez estas cervejarias que não sobreviveram não tenham conseguido vender seus produtos, é verdade, mas conseguiram vender uma idéia: uma alternativa às "light beers" produzidas pelas grandes cervejarias americanas. O perfil do consumidor estava traçado. Esse consumidor valoriza a qualidade da cerveja em primeiro lugar, antes mesmo do preço. Esse consumidor gosta não apenas de novas experiências de sabor, mas também de informação, detalhe, conteúdo, cultura. O público que consome esse tipo de bebida é ávido por conhecimento. Neste ponto a cerveja, enquanto bebida mais antiga da humanidade, tem bastante a contribuir.
E o negócio deu certo: existem mais de 1400 cervejarias em atividade nos Estados Unidos. Um aumento de cerca de 1700%, quando comparado às meras 80 cervejarias presentes desde a década de 80. Nada mal hein?Mas o traço mais interessante desse mercado se encontra na colaboração entre as microcervejarias americanas. Eles trocam e divulgam suas receitas, emprestam equipamentos, patrocinam eventos, cursos e concursos, veiculam propagandas juntos, ajudam as novas microcervejarias e criam laços não só empresariais, mas de amizade. Isso porque eles sabem que juntos eles têm mais a ganhar, e o concorrente não é a microcervejaria do vizinho,mas sim as grandes cervejarias com suas light beers. Na verdade, é até mesmo difícil dizer que há concorrência: em um mercado onde 95% da cerveja consumida não é a das micros mas sim a dos grandes, é pouco provável que as mega-cervejarias estejam dedicando todos seus esforços para eliminar tal micro-ameaça. Prova de tal colaboração está na recente produção “I Am a Craft Brewer” (http://www.youtube.com/watch?v=QTGHUl83u-U), vídeo feito por um grupo de cervejarias norte-americanas, demonstrando que os fortes laços estabelecidos entre os produtores têm um alcance muito maior.Esse tipo de visão é saudável e eu admiro. Se a cerveja já foi fabricada e está no mercado, qual o mal de divulgar a receita? Por que não emprestar um equipamento que está ocioso? Por que não colaborar com os colegas empresários? Em um mercado emergente como esse tais atitudes não encorajam a cópia, mas sim a parceria. Ou seja, desestimulam competidores (pois aquele que copia será sempre o segundo) e estimulam parceiros de negócio. Tudo é uma questão de ver com quem você está brigando para conquistar espaço no mercado: será mesmo que é com a microcervejaria do vizinho? Acho que não, pois ela já tem seus problemas para consolidar sua própria marca. É uma visão de longo prazo que os americanos cumprem muito bem. Por aqui, algumas microcervejarias já estão adotando práticas similares, a exemplo da Falke Bier, de Minas Gerais e da cooperativa de microcervejarias gaúchas, a AGPM (Associação Gaúcha de Pequenas e Microcervejarias). No Brasil, a grande dificuldade é transpor as barreiras tributárias. O tema é tão absurdo que merece destaque aqui. Os grandes vilões da história são os impostos federais (IPI/PIS/Cofins) e o ICMS. No caso dos impostos federais, existe, desde Janeiro deste ano, uma pauta fiscal para cervejas. Basicamente, é como se fosse uma grande tabela com preços de produtos e as respectivas alíquotas a serem pagas. Quanto mais caro o produto, maior será a alíquota, que pode chegar até 15%. Como a cerveja artesanal é naturalmente mais cara do que a das grandes cervejarias, ela sai perdendo. No caso do ICMS, é cobrada adicionalmente a substituição tributária, que é o imposto devido pelo cliente da indústria (ponto de venda, distribuidor, etc.). A base de cálculo de substituição é de 140% e alíquota é de 2%. Imaginem a viabilidade de tal negócio?
Mas é bom ver que o brasileiro não está apenas sentado e reclamando. É verdade, ainda estamos muito pequenos se comparados aos americanos, mas fico feliz em ver que estamos trilhando um caminho parecido: mesmo com as barreiras tributárias impostas pelo governo e as leis atrasadas presentes na legislação de bebidas, o mercado de cervejas artesanais no Brasil vem crescendo; confrarias, comunidades de cervejeiros e interessados no assunto estão se formando por todo o Brasil; bares e pubs especializados em cerveja artesanal estão aparecendo; cursos e eventos periódicos estão surgindo, bem como revistas e publicações especializadas no assunto. Esse mercado já é uma realidade para o brasileiro. O movimento de "craft brewing" (cerveja artesanal) veio para ficar. E é no empenho e motivação dos envolvidos nesse meio que reside a real força deste movimento. Desde a fundação de associações até a criação de eventos, os esforços para integrar a comunidade cervejeira brasileira fazem toda a diferença. Mostram que o brasileiro também quer cerveja boa, dá importância para o valor agregado, quer mais qualidade no que consome. Quanto mais nos unirmos e colaborarmos, mais pessoas conseguiremos atingir. Podemos tomar como exemplo a evolução do mercado de vinhos no Brasil, onde as vinícolas do sul do país, localizadas em uma região com microclima apropriado, se uniram e criaram o Vale dos Vinhedos.
É importante termos essa visão e nos espelharmos na atitude dos americanos, especialmente os profissionais do mercado cervejeiro. Em um mercado pequeno como esse, colaboração é a palavra-chave, pois uma microcervejaria sozinha na prateleira do supermercado dificilmente é notada, ao passo em que uma ou duas dúzias de marcas ocupando um estande inteiro chamam muito mais a atenção. O cliente de uma microcervejaria também é o mesmo cliente que, em sua próxima compra, pode adquirir um produto de outra microcervejaria. A fidelidade do cliente não está com uma marca (a exceção fica pela Guinness), mas sim com uma bebida melhor. Nesse ponto, todas as cervejas artesanais estão juntas, como bebidas superiores, de maior qualidade. Qualidade, palavra essa tão difícil de definir, mas tão fácil de distinguir no mundo real. É importante sempre nos lembrarmos das raízes desse movimento, da cerveja de melhor qualidade, e não deturpar esse conceito. Colocando este atributo em primeiro lugar e lembrando que colaboração é importante para a disseminação dessa cultura, não vamos precisar nos preocupar enquanto consumidores, pois sempre teremos cervejas boas para consumir por aqui.
E o negócio deu certo: existem mais de 1400 cervejarias em atividade nos Estados Unidos. Um aumento de cerca de 1700%, quando comparado às meras 80 cervejarias presentes desde a década de 80. Nada mal hein?Mas o traço mais interessante desse mercado se encontra na colaboração entre as microcervejarias americanas. Eles trocam e divulgam suas receitas, emprestam equipamentos, patrocinam eventos, cursos e concursos, veiculam propagandas juntos, ajudam as novas microcervejarias e criam laços não só empresariais, mas de amizade. Isso porque eles sabem que juntos eles têm mais a ganhar, e o concorrente não é a microcervejaria do vizinho,mas sim as grandes cervejarias com suas light beers. Na verdade, é até mesmo difícil dizer que há concorrência: em um mercado onde 95% da cerveja consumida não é a das micros mas sim a dos grandes, é pouco provável que as mega-cervejarias estejam dedicando todos seus esforços para eliminar tal micro-ameaça. Prova de tal colaboração está na recente produção “I Am a Craft Brewer” (http://www.youtube.com/watch?v=QTGHUl83u-U), vídeo feito por um grupo de cervejarias norte-americanas, demonstrando que os fortes laços estabelecidos entre os produtores têm um alcance muito maior.Esse tipo de visão é saudável e eu admiro. Se a cerveja já foi fabricada e está no mercado, qual o mal de divulgar a receita? Por que não emprestar um equipamento que está ocioso? Por que não colaborar com os colegas empresários? Em um mercado emergente como esse tais atitudes não encorajam a cópia, mas sim a parceria. Ou seja, desestimulam competidores (pois aquele que copia será sempre o segundo) e estimulam parceiros de negócio. Tudo é uma questão de ver com quem você está brigando para conquistar espaço no mercado: será mesmo que é com a microcervejaria do vizinho? Acho que não, pois ela já tem seus problemas para consolidar sua própria marca. É uma visão de longo prazo que os americanos cumprem muito bem. Por aqui, algumas microcervejarias já estão adotando práticas similares, a exemplo da Falke Bier, de Minas Gerais e da cooperativa de microcervejarias gaúchas, a AGPM (Associação Gaúcha de Pequenas e Microcervejarias). No Brasil, a grande dificuldade é transpor as barreiras tributárias. O tema é tão absurdo que merece destaque aqui. Os grandes vilões da história são os impostos federais (IPI/PIS/Cofins) e o ICMS. No caso dos impostos federais, existe, desde Janeiro deste ano, uma pauta fiscal para cervejas. Basicamente, é como se fosse uma grande tabela com preços de produtos e as respectivas alíquotas a serem pagas. Quanto mais caro o produto, maior será a alíquota, que pode chegar até 15%. Como a cerveja artesanal é naturalmente mais cara do que a das grandes cervejarias, ela sai perdendo. No caso do ICMS, é cobrada adicionalmente a substituição tributária, que é o imposto devido pelo cliente da indústria (ponto de venda, distribuidor, etc.). A base de cálculo de substituição é de 140% e alíquota é de 2%. Imaginem a viabilidade de tal negócio?
Mas é bom ver que o brasileiro não está apenas sentado e reclamando. É verdade, ainda estamos muito pequenos se comparados aos americanos, mas fico feliz em ver que estamos trilhando um caminho parecido: mesmo com as barreiras tributárias impostas pelo governo e as leis atrasadas presentes na legislação de bebidas, o mercado de cervejas artesanais no Brasil vem crescendo; confrarias, comunidades de cervejeiros e interessados no assunto estão se formando por todo o Brasil; bares e pubs especializados em cerveja artesanal estão aparecendo; cursos e eventos periódicos estão surgindo, bem como revistas e publicações especializadas no assunto. Esse mercado já é uma realidade para o brasileiro. O movimento de "craft brewing" (cerveja artesanal) veio para ficar. E é no empenho e motivação dos envolvidos nesse meio que reside a real força deste movimento. Desde a fundação de associações até a criação de eventos, os esforços para integrar a comunidade cervejeira brasileira fazem toda a diferença. Mostram que o brasileiro também quer cerveja boa, dá importância para o valor agregado, quer mais qualidade no que consome. Quanto mais nos unirmos e colaborarmos, mais pessoas conseguiremos atingir. Podemos tomar como exemplo a evolução do mercado de vinhos no Brasil, onde as vinícolas do sul do país, localizadas em uma região com microclima apropriado, se uniram e criaram o Vale dos Vinhedos.
É importante termos essa visão e nos espelharmos na atitude dos americanos, especialmente os profissionais do mercado cervejeiro. Em um mercado pequeno como esse, colaboração é a palavra-chave, pois uma microcervejaria sozinha na prateleira do supermercado dificilmente é notada, ao passo em que uma ou duas dúzias de marcas ocupando um estande inteiro chamam muito mais a atenção. O cliente de uma microcervejaria também é o mesmo cliente que, em sua próxima compra, pode adquirir um produto de outra microcervejaria. A fidelidade do cliente não está com uma marca (a exceção fica pela Guinness), mas sim com uma bebida melhor. Nesse ponto, todas as cervejas artesanais estão juntas, como bebidas superiores, de maior qualidade. Qualidade, palavra essa tão difícil de definir, mas tão fácil de distinguir no mundo real. É importante sempre nos lembrarmos das raízes desse movimento, da cerveja de melhor qualidade, e não deturpar esse conceito. Colocando este atributo em primeiro lugar e lembrando que colaboração é importante para a disseminação dessa cultura, não vamos precisar nos preocupar enquanto consumidores, pois sempre teremos cervejas boas para consumir por aqui.
Este artigo foi criado e enviado pelos amigos e homebrews Leonardo Sewald Cunha e Maurício Chaulet.
3 comentários:
Olá Pedro,
Espetacular as idéias exprimidas neste artigo. Parabéns aos autores e a você por divulgá-lo. Merece ser lido pelo maior número possível de pessosas pois descreve o que um dia poderá ser o cenário cervejeiro brasileiro. Espero que este dia chegue logo! Vamos trabalhar em busca disso. Todos podem colaborar, mesmo que com uma pequena parcela.
Um abraço.
Pedro,
Show de bola, realmente esta é a nossa bandeira.
Parabéns a você por divulgar e os autores pelo ótimo texto.
Muito oportuno o artigo escrito por apaixonados pela qualidade da cerveja. Parabéns. Boger
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